sexta-feira, 24 de maio de 2024

Contos Noturnos 24-O Circo da Meia-Noite

Já era tarde...início de madrugada, mas eu não conseguia dormir.
Fiquei andando pelo meu quarto procurando algo pra fazer pra poder gastar um pouco de energia.
Olhei para a minha prateleira de livros e encontrei um antigo livro que encontrei em um bazar.
'O Grimório Escarlate' li o título em voz alta, parecia ser um livro de contos. Voltei para debaixo das cobertas para começar a leitura, curioso...lembro de ter comprado o livro, mas nunca cheguei a ler. Enfim, abri o livro de forma aleatória e...
truuum!

Me assustei ao ouvir o barulho de um galho batendo freneticamente na janela. Quando olhei para baixo, vi uma movimentação perto de casa...bem, curiosa como sou, é claro que não ficarei aqui parada. Coloquei uma roupa qualquer e sai.
Aquilo era com certeza uma piada de muito mal gosto.
Um circo tinha acabado de chegar na cidade...um circo. Isso é ridículo. Eles estavam no bosque que tem perto da entrada da cidade

Dei a meia-volta de regresso para casa quando escuto um homem na frente do local:

-SEJAM TODOS BEM-VINDOS AO GLORIOSO CIRCO DA MEIA-NOITE

'Nome estranho para um circo' pensei. Logo ele continuou:

AQUI, NOSSO PAGAMENTO É O SORRISO. ENTRM E SE DIVIRTÃO!

Maldita curiosidade, tenho que ver se isso é verdade. Ao chegar mais perto, pude ver melhor o local e não acreditei no que estava vendo.

Por fora é muito colorido e agradável. Haviam muitos animais, tendas de comidas e palhaços por todos os lados. Apesar da entrada ser gratuita, tinha que pegar o ingresso para saber onde ira sentar na plateia. Quando fui até a Bilheteria, tomei um susto tão grande que por um momento, minha vista havia escurecido.

O homem que estava entregando os bilhetes não era nada normal. Ele tinha grandes olhos negros como se só existissem as pupilas, um grande sorriso inumano e grandes garras.

'Seu bilhete, madame. A apresentação já vai começar' ele disse me entregando um pequeno pedaço de papel, que peguei brevemente.

Ao entrar procuro meu lugar que é bem perto do palco, me sento pouco antes das luzes apagarem.

Lentamente, um pequeno fecho de luz aparece entre as cortinas e de lá surge uma...mulher? Boneca?

Sinceramente, não sei bem oque ela é. Parece uma mulher, mas a pele branca brilha como porcelana, há rachaduras por todo seu corpo e uma atadura manchada de preto no pescoço. Ela se movia como se fosse uma marionete, mas não havia nenhuma corda movendo ela.

—Senhoras e senhores—ela disse com um imenso entusiasmo, mas com um sorriso triste—Me chamo Anfitriã, e é com grande alegria que apresento nosso primeiro espetáculo: as bailarinas sem rosto.

Elas pareciam delicadas bonecas de caixas de música, mas não era agradável olhá-las por muito tempo. Elas tinham o rosto coberto por máscaras pálidas com detalhes em preto, os cabelos presos enfeitados com coroas emplumadas, e o traje de balé seguia na mesma tonalidade

Elas dançavam divinamente, mas havia algo que realmente me deixou desconfortável...cada movimento da dança, era possível ouvir os ossos rangendo ou quebrando, mas o som parecia que alguém estava pisando em pedaços de espelhos.

Um pouco distante das bailarinas, era possível ver os Palhaços Cinzas suspirando por elas. Notei que eles não faziam nada, a não ser olhar para elas com um olhar de dor toda vez que uma delas estendia a mão para eles.

Notei que um deles olhava angustiado para uma bailarina e para a Anfitriã que o encarava com desaprovação. Um deles -como que não estava mais suportando algum sofrimento- se aproximou da bailarina que lhe estendeu a mão.

—Essa não—gritou a Anfitriã—agora eles terão que dançar.

As outras bailarinas começaram a chorar baixinho e os palhaços ficaram com uma expressão como se estivessem em um velório.

Contudo, a paixão e tranquilidade era nítido no rosto dos dois que dançavam tão levemente. Não se ouvia mais o ranger dos ossos da bailarina, tão pouco as lamúrias do palhaço só um melodioso som de uma arpa...mas não durou muito.

De repente, as bailarinas e os palhaços sumiram nas sombras laterais do palco, dando mais espaço para os dançarinos. Contudo, por onde a bailarina passava, ficavam pegadas de sangue que iam aumentando a quantidade do líquido viscoso.

No meio da dança a bailarina caiu, pois os pés já em carne viva não aguentavam mais o peso da moça. O palhaço, desesperado a abraça esperando o pior acontecer. Ele chora descompassadamente enquanto ela dá um longo suspiro e...se transforma em uma pequena rosa que de vermelha, vai escurecendo até um tom quase preto. Acho que isso é tudo que sobra dos dois, o desespero de ser correspondido.

—Uma agradável valsa, devo dizer. Mas temos que dar espaço agora para ela, Milady Hooves

'Agradável valsa, desgraçada?' pensei 'vou dar mais uma rachadura para essa maldita'

Antes que eu pudesse fazer algo mais, começo a escutar melodias típicas de uma orquestra e de repente, consigo ver os instrumentos levitarem no escuro. As sombras musicais chegaram para dar espaço para a cantora

Ela que possui uma voz que até as sereias tem inveja. Quando ela se aproxima do palco, tudo oque se pode ouvir é o trote de um cavalo junto a uma voz melodiosa.

Quando as luzes se acendem é possível ver a Milady Hooves e Jesus Cristo...eu preferia não enxergar. De fato, a voz dela era linda, impecavelmente límpida e suave, mas ela por si só, é desagradável aos olhos.

Ela tinha o aspecto de um centauro, mas ao invés de cavalo, sua parte animal era uma cabra completamente distorcida. Seus longos chifres se enrolavam perto do seus pescoço, sua boca alongada era revestida por dentes afiados como ponta de flecha. Parecia que ela nunca iria embora até que finalmente a música acaba. 

—Uma bela música cantada por uma bela artista.
(Boneca louca) penso.

—Mas antes da noite acabar, veremos a batalha tão esperada: O Homem-Fera contra Duquesa Snake.

Estava quase agradecendo o fato da cantora ter ido embora quando vejo eles...duas criaturas inumanas.

Um homem monstruoso rugindo como um animal faminto e descontrolado. Se arranhava até sangrar e bebia o líquido desesperadamente.

E do outro lado se arrastando como um mal- espírito uma mulher...eu acho...com o corpo escamoso de uma cobra que lembrava muito a Medusa dos contos gregos, com a diferença de que ela não transforma ninguém em pedra. O que para mim, seria ótimo se isso acontecesse agora.

Eu escuto chifres quebrando, escamas sendo arrastadas e arrancadas pelo chão, sons das cascavéis na cabeça dela tentando atacar ele. Enquanto todos estão felizes com aquele show de horrores, eu tampava meus ouvidos e gritava de desespero. Quando isso vai acabar?

Acho que a luta acabou, pois todos aplaudem e quando olho para o palco, não há nada além de sangue, escamas e pedaços de chifres.

Todos estão sentados em seus lugares cochichando como se estivessem esperando a próxima 'atração'. 

Me levanto e procuro a saída quando escuto uma risada. Parecia uma pessoa tentando segurar o riso, quando me viro e vejo de onde vem a risada já penso 'definitivamente estou no inferno'

No escuro foi possível ver uma fileira enorme de dentes no formato de um imenso sorriso

Garrar longas, olhos fundos inumanos. Dark Jester. Sempre que aparece ele diz gargalhando 'TÁ NA HORA! JÁ TA TARDE.'

Ele estava gritando e chorando com um sorriso pavoroso. Corri procurando a saída que não aparecia, a lona da tenda era dura como uma parede...não tinha como ir embora. Era desesperador, ter que ficar em um lugar monstruoso como aquele.

O Circo da Meia-Noite é grátis pra entrar— disse uma voz femininamas para sair...você deve pagar.

Quando olhei para a mulher, eu pensei em abandonar a razão.

—Não se atreva!—disse a Cartomante Cadáver—A não ser que você queira ficar aqui permanentemente, sugiro que se apegue a sua sanidade.

—E como eu poderia sair daqui?— perguntei com um misto de raiva e medo —Não tem porta aqui!

—Siga o Dark Jester.— ela disse apontando para ele enquanto olha para a bola de cristal — Ele vai te ajudar a fugir antes que a Anfitriã te veja.

—Venha, venha— disse o Jester —Tá na hora! tá tarde!

—Tem certeza?— perguntei para ela.

—Fique e se torne uma atração— disse —vá e  se liberte. Sua vida, sua escolha.

Olhei para ela, olhei para o Jester. É, realmente não dá pra piorar. Ele me levou discretamente até atrás das cortinas pero do palco

—Me diz— comecei quebrando o gelo —porque eu teria que 'pagar' a Anfitriã?

—Ela faz isso, sabe!?— ele falava eufórico como uma criança —Ela parece uma princesa, mas é uma caçadora de almas. Todos aqui, desde as atrações até a plateia, todos já foram pessoas livres e vivas. Ela é má!

—Ela fez isso com você também?

—Com todos nós. Fui um dos primeiros, eu vi tuuudo. Eu era um palhaço, as crianças gostavam de mim e elas me faziam bem.

Ele falava e lembrava dessa época, chorava com aquele sorriso amedrontador. Ele queria fazer as pessoas sorrir, mas agora elas só gritam.

—Você tem que ir antes de amanhecer— ele falou apressadamente —se não você vai ficar aqui.

—Tá bom! E como eu vou embora?

Senti ele me abraçando de forma carinhosa enquanto dizia 'Adeus criança' com uma voz fraca e aliviada.

Acordo com o som do relógio. Estava assustada, suando e chorando.

—DROGA DE RELÓGIO!—disse tacando ele na parede.

Sorte que sempre coloco o despertador bem adiantado para nunca me atrasar para o trabalho. Olho para meu colo onde está o livro e na página que ela estava

'Conto 12- O Circo da Meia-Noite'

—DROGA DE LIVRO!—disse tacando ele na parede.

Olhei para a janela do meu quarto, onde lá ao longe é possível ver uma parte do bosque

—Pobre Jester.— disse triste —espero que fique bem.

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